sábado, 3 de outubro de 2009

LONGE


Sinto falta porque sinto!
Não há porque justificar
Mais a mais quando em esforço
Me coíbo de por ti gritar
-
Sinto a falta porque sinto!

Sem nada haver a explicar
Tentando que não me falhe a voz
Quando lhes afirmo farto de te aturar
-
Sinto a falta porque sinto!

Porque haveria de negar?
Silenciosamente engulo em seco
Quando oiço alguém de ti a falar
-
Sinto a falta porque sinto!

Já não há volta que possa dar
Estão agora os relógios parados
Aguardando-te para o bater retomar
-
Sinto a falta porque sinto!

Como poderei isso ignorar?
Se nada me parece ser igual
Quando olho para o teu lugar
-
Sinto a falta porque sinto!

E dela a ninguém posso confessar
Nem mesmo quando ao almoço a meu lado
Decidem todos os dias te telefonar
-
Sinto a falta porque sinto!

E cada dia a faz aumentar
Qual pedaço de carne arrancada
Suspensa até ao teu voltar
-
Sinto a falta porque sinto!

Mas sei que quando o tempo passar
Quando termine o inevitável ciclo
Te irei de novo recuperar!
-
LETRASALINHADAS

sábado, 8 de agosto de 2009

"3" (TRÊS)



E chovia, chovia tanto que o asfalto parecia fumegar. Como cachos, grossos pingos batiam violentamente em tudo e nada parecia a salvo, nem da enxurrada nem do vento em rajadas e a fazer-se assobiar por entre todas as frestas e esquinas. A agua estendia-se agora por todo o lado como um lençol, subindo, galgando, arrastando tudo consigo ao seu passar e atenuando o relevo e as reentrâncias das bermas e passeios, porque tudo parecia já um enorme oceano, apenas salpicado de pequenas casas como barquitos a remos à deriva. Parecia impossível, parecia assustador, mas lindo, tão impossível e assustador, porém tão lindo, que nos deixava embriagados, nostálgicos e sem reacção. Eu, agachado, espreitava pela janela através das vidraças, mas com as persianas meio fechadas, e às escuras, em silêncio, porque assim me sentia mais seguro ou menos exposto à intempérie. E só quando a luz dos raios iluminava todo o exterior como se fosse dia, e se desenhavam em mim as sombras dos caixilhos reflectidos, anunciando o bater forte de mais um trovão, me permitia a mim próprio respirar, voltando a suster-me até ao rugido do próximo. Não se via vivalma, mas não fazia frio, ou, pelo menos, não o conseguia sentir. E continuava ali, sozinho, sem ninguém, e se eu tive tanta gente... mas perdi-os, perdi-os todos, um por um, sem dar conta, sem saber que os estava a desperdiçar, sem nada fazer, nem bem, nem mal, e isso foi fatal. Há quem falhe por errar, por má índole, por desprezo, por egoísmo, mas eu não, nem sequer me apercebi onde errei, se é que errei, apenas me sentei e esperei, e esperei, e esperei até que tudo se foi e nada nunca chegou. Decidi então meter-me a caminho, e sim, seria hoje, seria agora, seria já, e senti-me outra vez forte, vivo, audaz, decidido, impaciente, com o peito a estremecer, de novo a adrenalina a fervilhar, o coração a saltar, e tudo parecia agora voltar a fazer sentido, tudo se conjugava, tudo o que parecia disperso se voltava a encaixar, e apenas lamentava não o ter sabido antes, porque já lá estaria... e como eu tremia, meu Deus! Não levei bagagem, porque de nada me serviria lá, e viajei. Viajei durante 3 meses, 3 dias e 3 noites, mais 3 horas e 3 minutos e cheguei 3 segundos depois. Para me receber estavam 3 meus iguais, em 3 minhas distintas idades, que me beijaram 3 vezes, e, que com 3 chaves me decidiram presentear. Cada um deles os 3, estava junto a cada uma das 3 portas que poderia eu escolher abrir em 3 tentativas e depois, 3 decisões nessas 3 salas mudar por 3 vezes, e no fim, as 3 poder restaurar. Extasiado, por momentos pensei ser dono do meu destino, fazedor da minha própria história, tanto presente como...passada. Tudo poderia mudar, reconstruir, adquirir, baralhar, partir e voltar a dar, e até ensaiar. E entrei numa e noutra e noutra e noutra e voltava atrás, e passava à frente, e mais ali e menos aqui, num ritmo tão frenético quanto a velocidade a que a mim mesmo me obrigava a agir. Apaguei passagens, forcei outras existirem, suprimi desgostos, mudei amores, evitei tantas outras dores, e realcei alegrias e concretizei muitas e muitas fantasias. Agora sim, estava tudo a ficar exactamente como sempre gostaria que estivesse estado. E tudo o que não havia sabido construir numa vida, tinha conseguido concretizar num dia. Esgotei completamente todas as oportunidades, abdiquei de restaurar o que fosse, e fiquei finalmente saciado. Porém, quando estava a terminar, e, resultado das mudanças, numa enorme explosão de luz com infinitas fagulhas coloridas a cintilarem prolongadamente numa dança exótica diante dos meus olhos, aqueles 3 meus iguais fundiram-se num só, num novo e diferente meu igual, produto dos meus desejos, mas mais poderoso, mais abrangente, mais consistente, quase perfeito, sem metade das cicatrizes que me atormentavam os pensamentos e faziam regressar fantasmas, e com toda a pujança de um passado imaculado e construído a dedo. E era belo, irresistível, não sabia eu que também aterrador... Segui-o por entre vários corredores com enormes paredes de vidro que construíam um emaranhado de células, como gigantes aquários mas sem agua, e onde dentro de cada um se desenrolavam cenas passadas da minha vida. Por todo o lado direito dos corredores, as cenas reais e que facilmente eu reconhecia, pelo esquerdo, as que eu agora tinha adoptado como válidas mas que ainda que perfeitas, me soavam a estranhas. No fim de um desses corredores, existiam duas dessas células, mas vazias. Fez-me entrar na da direita, seguindo ele para a da esquerda. Fiquei a observá-lo. Entrou, mirou-se duas os três vezes numa das paredes como se fora ao espelho, abriu uma porta que dava para o exterior e saiu, tomando o meu lugar. Eu, procurei fazer o mesmo, mas surpreendentemente, a minha era totalmente fechada, e não tinha nenhuma porta, nem janela, nem sequer existia já a abertura por onde havia entrado. Estava fechada. Completamente selada. Estanque. Procurei sair durante horas a fio, gritei, pedi socorro, implorei, e chorei, berrei, amaldiçoei, vociferei, mas, de nada adiantou, até que caí exausto e me acomodei. Já desisti de chamar, e nem esperança tenho em sair. E aqui estou, preso, encurralado e condenado para todo o sempre a apreciar a vida do meu novo eu, que teima em passar consecutivamente, em frente, como num filme, na célula da esquerda onde ele entrou. E parece que sou feliz! Outra vez feliz! Muito feliz! Nessa nova vida que sorvo enquanto perco as feições e me sinto a derreter, nesta clausura.
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LETRASALINHADAS

sábado, 13 de junho de 2009

CONVITE À VIAGEM PARA O DEPOIS DE AGORA


"Quem és?" Perguntaram
Não faço ideia,
respondi

-
"Junta-te a nós"
disseram
"vem connosco"
e eu com eles segui
-

Para onde vão?
perguntei
''Para depois de agora''
Afiançaram
-

''Viemos do ontem
para hoje, sem gostar
e sem querermos nada mudar,
não por estarmos bem
mas por falta de coragem
vamos para o depois de agora
avançar e iniciar
o quanto antes essa viagem''
-

''Lá já tudo isto passou
estará tudo resolvido
serei o que sou
sem o lamento de ter vivido
tudo o que teria sofrido
por tudo o que certamente mudou''
-

''Saltamos sofrimentos
ignoramos desilusões
evitamos escolher
que vida queremos viver
fugimos de tormentos
e não tomamos decisões''
-

Não percamos mais tempo
disse eu
aproveitemos este vento
e viajemos sem demora
para esse idílico depois de agora
-

"Mas depois de lá estar
não há volta a dar
e a vida adquirida
terá de ser vivida"
Disseram
-

Mas como pode ser?
questionei
eterna será a viagem
na busca dessa miragem
porque sempre que cheguemos
será presente,
e decididos continuaremos
pois na busca dessa glória
sem nunca ter essa vitória
de apanhar o depois de agora
-

"Tens razão, é melhor ficares
és séptico, racional, não és crente
pelo menos não o suficiente
para connosco andares
e deitas tudo a perder,
tudo o que poderias ter,
por não arriscares".
-

Fiquei a rir
depois a chorar,
castigo-me a pensar...
Será verdade???

-
LETRASALINHADAS

domingo, 26 de abril de 2009

ABSOLVIÇÃO


Espero que agora que partiste
e que na tranquila imensidão
da paz desse lugar eterno
onde nos consegues bem avaliar,
percebas que me vias triste
não por falta de bom senso ou razão
mas pela responsabilidade do inferno
em que se transformou aquele lugar
-
Tentei tudo prever
no intuito de te proteger
e de te puder entregar
fortes armas com que lutar,
mas, como poderia eu adivinhar
essa monstruosa falta de sorte
esse teu oculto definhar
essa tua causa de morte?
-
Se em alguma vez poderei
ter sido insensível ou injusto
e que me tenhas suportado só a custo
nesse meu papel de querubim do rei,
quer estejas no "meu" céu
ou na "tua" reencarnação
submeto-me a ti como réu
e imploro o teu perdão.
-
LETRASALINHADAS
-
Lembrei-me de ti...e decidi recuperá-lo, hoje, por ser hoje, fica melhor por aqui, e tu mereces cada linha, cada letra...
(Original de 02MAI2008)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

ENFADONHA

Já te chamaram vadia
mas sei a verdade
e que dia após dia
comandas a minha vontade
-

Já te chamaram criança
mas tens apenas desejo
de nunca perderes a esperança
de te revigorares num beijo
-

Já te chamaram tonta
por acreditares no amor
e por estares sempre pronta
para te entregares com ardor
-

Já te chamaram maçadora
eu chamo-te alegria
dizem que és aborrecedora
prefiro-te achar fantasia
chamam-te faladora
respondo que és alquimia
-

Já te chamaram inocente
eu chamo-te tentação
dizem que és crente
prefiro achar-te emoção
chamam-te benevolente
respondo que és alucinação
-

E tanto gostas de criar
essa imagem ao teu redor
de julgarem não saberes pensar
de não teres qualquer valor
e escolhes sempre a cobardia
de não assumires inteligência
e preferes passar todo o dia
a fazer crer precisares de clemencia...
-

Raros afinal te conhecem
e todos te pensam conhecer
entregas-te só aos que merecem
ser donos do teu amanhecer
-

Mas quando por fim decides confiar
quando estás segura de te poder entregar
e revelas e partilhas esse teu infinito sonhar
arrastas tudo em turbilhão ao teu redor,
enquanto libertas o perfume da mais frágil flor
e incendeias tudo e todos com esse teu calor,
loucamente insaciável na procura do nosso amor

-
с днем рождения
-
LETRASALINHADAS

sexta-feira, 13 de março de 2009

DUELO


Eles lutam cá dentro
lutam até à exaustão
mas porque já não aguento
desisto de procurar solução
-
Depois quando menos espero
voltam ambos a se violentar
enquanto inerte desespero
para saber qual vai ganhar
-
Um fica deformado
de tanto se ver trair
o outro transtornado
por não conseguir decidir
-
Um não consegue ganhar
outro apenas não quer perder
e enquanto os oiço a lutar
continuo impávido a sofrer
-
Claro que ambos têm razão
querem para mim felicidade
mas fica impossível a comunhão
de conciliarem ambos essa vontade
-
E sei que não estou sozinho
sei que também em ti estão a lutar
e quanto mais juntamos caminho
mais os encorajamos a continuar
-
E saem gritos, saem horrores
nascem atritos, nascem temores
continuamos cada vez mais aflitos,
mas cada vez mais... avassaladores
-
Apenas porque tudo merece a pena...

-
LETRASALINHADAS

sábado, 14 de fevereiro de 2009

OS USURPADORES


O mundo é tão só um jogo viciante
com regras ditadas por fúteis juízes
que usam o poder de forma intolerante
escravizando-nos aos seus narizes
-
As decisões ruinosas por eles tomadas
num estado de total embriaguez assumida
mantêm de pé essas suas enormes fachadas
que ameaçam desmoronar com a nossa vida
-
Sem qualquer pingo de sensatez
ou por meros caprichos pessoais
tomam-nas por falta de lucidez
ou por as terem visto em jornais
-
E é assim que sem qualquer competência
sem bases criteriosas nem justificação
decidem com a maior falta de decência
aquilo que nos vão dar ou roubar da mão
-
Só lhes interessa conseguir manter
em escalada, o nível de riqueza amealhada
favorecendo também quem lhes aceite lamber
suas sujas botas de vil terra enlameada
-
Estamos já todos descrentes!
Assumam que no passado erraram,
e que sois totalmente incompetentes
indo de novo falhar onde já antes falharam
-
Liderança não é de todo intimidar
nem isso vos tornará capazes
porque ninguém vos vai respeitar
apenas por exibirem as vossas tenazes
-
E do alto dos seus luxuosos gabinetes
com os seus pajens tocando trompetes
no intervalo das muitas orgias e banquetes
soltam-nos as suas decrepitantes decisões
para assim nos roubarem os últimos tostões,
seus porcos imundos, seus ladrões,
seus infelizes cabrões!
-
LETRASALINHADAS

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

NUMA DESTAS NOITES


Acordei velho e vi tudo
acordei velho e tudo vi
vi tudo aquilo que vivi
e vi, sobretudo,
tudo aquilo que perdi
acordei velho e vi tudo
acordei velho e tudo vi
acordei velho longe de ti
e não mais adormeci.
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LETRASALINHADAS

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

1º ANIVERSÁRIO


Começou como uma brincadeira, rabiscos num pequeno caderno de papel. Foi crescendo, tomou forma, ganhou consistência e merecia mais, bastante mais que o amorfo cadernito abandonado ao canto da secretária sempre cheia. Pouco a pouco os ''dos outros'' foram ganhando menos espaço nele, e ''os meus'' impuseram-se de forma natural, tornando o cadernito desadequado, ultrapassado, rudimentar, arcaico. Surgiu então a ideia de os ter em registo informático, porque não até na Internet? Um blogue! Isso mesmo, um blogue. E nasceu assim, convencido que seria apenas um espaço meu, só lido por mim, só ao meu alcance, ali abandonado e perdido em milhares e milhares de outros blogues e onde seguramente ninguém chegaria a entrar, muito menos a perder tempo a ler. Mas passou um ano, faz precisamente hoje um ano, um único ano, e mais de 4.000 (!) afinal deram com ele, e muitos até o leram, e bastantes até comentaram e dizem gostar, e alguns até o seguem, e me incentivam, e me elogiam... Continuo sem acreditar e a cada dia aumenta a surpresa e estupefacção. Muito obrigado a todos, por me fazerem começar a acreditar. E já agora, UM EXCELENTE 2009.